Pessoas diagnosticadas com Covid-19 têm direito à percepção de auxílio- doença?
Sim. Em razão da necessidade de isolamento e da impossibilidade de exercer suas atividades, portadores do Coronavírus (Covid-19) devem requerer benefício por incapacidade temporária via portal “Meu INSS” e, assim, receber auxílio-doença.
Além das pessoas diagnosticadas, entende-se que os trabalhadores considerados do grupo de risco também poderão requerer o benefício, tendo em vista que estes devem permanecer em isolamento e, dependendo da profissão, ficam impossibilitados de realizar suas atividades laborativas
Tal entendimento ainda não é pacificado, podendo ser objeto de discussões via administrativa no INSS e em juízo.
Qual será o valor do auxílio-doença?
A porcentagem do valor do benefício irá variar de acordo com o caso concreto, sendo que, se a doença for comum (contraída fora do ambiente de trabalho), o valor corresponderá a 91% da média aritmética de todos dos salários de contribuição a partir de julho de 1994, ou desde o início da contribuição, se posterior.
Já se O Covid-19 for considerado ocupacional (contraído em decorrência do exercício do trabalho), o valor do auxílio doença acidentário corresponderá a 50% da renda da aposentadoria por invalidez, ou seja, metade da média aritmética de todos os salários de contribuição. a partir de julho de 1994, ou desde o início da contribuição, se posterior.
Uma importante vantagem da doença ser considerada ocupacional, é que o trabalhador adquirirá estabilidade de 12 meses na volta do afastamento, conforme assegura o artigo 118 da lei de Benefícios da Previdência Social (8.213/91).
Além disso, muitos dos infectados pelo vírus poderão não se recuperar integralmente, e não estarão aptos para desempenhar a antiga função profissional, sendo relevante que obtenham estabilidade após a cessação do auxílio-doença.
O trabalhador que tiver incapacitado de exercer a mesma atividade poderá adquirir o serviço de reabilitação profissional do INSS, nos moldes do artigo 18, inciso III, alínea “c” da lei 8.213/91. Ele também terá estabilidade, assim como determina o artigo 93, §1º da mesma lei.
Todos os trabalhadores diagnosticados com Covid-19 e os que se encontram no grupo de risco poderão receber o benefício de auxílio doença?
Não. De acordo com o artigo 59 da lei 8.213/91, para receber o auxílio, o trabalhador tem que ter a qualidade de segurado do INSS e estar incapacitado para o exercício de suas atividades laborais.
Além disso, se a doença não for considerada ocupacional, a legislação previdenciária exige um período mínimo (carência) de 12 meses de contribuição.
No entanto, da Instrução Normativa 77/2015 do INSS apresenta uma lista de doenças graves que dispensam o segurado de ter esse número de contribuições para ter aptidão de adquirir o benefício.
Como é considerado um rol exemplificativo, entende-se que há chances de os portadores de Covid-19 não precisarem cumprir carência. Trata-se de uma enfermidade contagiosa, que causa estigma, e é altamente debilitante, podendo, com muita facilidade, ser inserida na lista mencionada.
É necessário fazer perícia médica para requerer o benefício?
Em razão de todos os transtornos causados pela pandemia, e com o objetivo de proteger os segurados da contaminação, as agências do INSS encontram-se fechadas ao público.
Desta forma, para dar andamento aos requerimentos de auxílio doença, as perícias serão realizadas de forma virtual.
Para se comprovar a doença, basta anexar junto com a solicitação, um laudo médico que ateste a doença Covid-19, com o seu respectivo número da CID.
No caso dos segurados não contaminados, mas que estão no grupo de risco, será necessário demonstrar o motivo pelo qual estão inseridos nesse rol, e qual a influência desse problema para gerar incapacidade de exercer suas atividades laborativas.
Qual será o valor da aposentadoria por invalidez, caso a doença gere incapacidade laboral permanente?
De acordo com o artigo 26 da Emenda Constitucional n. 103/2019 (Reforma da Previdência), nos casos de aposentadoria por incapacidade permanente não decorrentes de doença ocupacional, o coeficiente será de apenas 60% (sessenta por cento) da média aritmética simples de todos os salários-de-contribuição a partir de julho de 1994, ou desde o início da contribuição, se posterior.
Já se a contaminação ter como causa a atividade laborativa, o incapacitado terá o direito de receber mensalmente 100% (cem por cento) da média aritmética simples de todos os salários-de-contribuição a partir de julho de 1994, ou desde o início da contribuição, se posterior.
Importa mencionar que, nos termos do artigo 23 da Emenda Constitucional, na hipótese de falecimento do segurado acometido pelo Coronavírus, o dependente irá receber 50% do valor da aposentadoria por incapacidade permanente que o segurado teria direito, acrescido 10% por dependente.
Percebe-se, portanto, mais um agravamento, do ponto de vista previdenciário, se a moléstia não for considerada ocupacional.
Quais as chances de a contaminação ser considerada doença ocupacional?
Apesar da grave crise instalada pela pandemia, a Medida Provisória 927/2020 publicada em 22 de março, prejudica ainda mais a situação dos trabalhadores e segurados e dependentes do INSS. De acordo com o artigo 29, os casos de contaminação do Covid-19 não serão considerados ocupacionais, exceto se houver comprovação do empregado.
À luz desta premissa, percebe-se a intenção do Governo Federal em favorecer a parte patronal, na medida em que as variadas formas de contágio servirão de entrave para a perícia associar a doença à atividade laborativa.
Caso se entenda que a contaminação não se enquadre como ocupacional, como já colocado, além dos prejuízos na esfera previdenciária, também haverá consequências negativas na esfera trabalhista. O empregador negligente que não busca alternativas para dispensar os funcionários em época de pandemia ficará isento de responsabilização.
Existem algumas circunstâncias as quais podem ser utilizadas para comprovar que a contaminação decorreu do exercício profissional. Alguns exemplos são daqueles empregadores que expõem os funcionários em contato próximo com outras pessoas, ou que não fornecem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como máscaras, luvas e álcool em gel. Nestes casos, para se enquadrar como doença ocupacional, o empregado ou o grupo de empregados infectados deverão tentar demonstrar essa linha de causalidade entre a conduta do empregador e a doença.
Importante também analisar a questão da responsabilização do empregador sob a ótica dos profissionais da saúde. Algumas profissões específicas, pela sua natureza, já expõem os trabalhadores em risco. De acordo com o artigo 21-A da lei 8.213/91, o nexo causal entre esse tipo de atividade e a doença é presumido.
Este também é o entendimento do STF, que em recente decisão em Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 828.040 – DF, estabeleceu a responsabilidade objetiva dos empregadores diante dos riscos inerentes da atividade profissional.
A regra da Medida Provisória, portanto, não se aplica aos médicos, enfermeiros e a todos os que desempenham atividades hospitalares. Estes, se acometidos pelo Covid-19, serão considerados doentes ocupacionais para efeitos trabalhistas e previdenciários.
A nova regra promove um desequilíbrio ainda maior na relação jurídica entre empregado e empregador, ameaçando os direitos sociais trabalhistas previstos na Constituição Federal, além dos fundamentos que formam a base do ordenamento jurídico brasileiro, como o princípio da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Entende-se, por fim, que o artigo 29 da Medida Provisória representa um retrocesso social, sendo que a sua aplicabilidade ainda deverá ser discutida. A falta de responsabilização das empresas coloca em risco os trabalhadores, seus familiares e toda a coletividade.
Texto de Luana Marques Lemos, advogada especialista em direito previdenciário, que compõe a equipe de advogados da Tambelli.