Os principais líderes mundiais comparam o cenário do novo Coronavírus às situações das Grandes Guerras do século XX. A diferença é que, desta vez, o inimigo não é um país, um exército, ou algo semelhante: agora, o “vilão” é um vírus e as Nações, em comunhão, lutam coletivamente contra ele, buscando sobreviver da forma menos prejudicial aos seus devastadores impactos.
No Brasil, de maneira lamentável e vergonhosa, o povo sofre as consequências não somente do Coronavirus, mas também da desastrosa conduta de um presidente da República delirante e perverso que ao invés de proteger os governados, os expõe irresponsavelmente aos riscos da contaminação pelo COVID-19, o qual deverá responder por tais consequências.
As autoridades científicas e sanitárias internacionais clamam pela necessidade do isolamento social para enfrentar o COVID-19, porém, o presidente da República atua de modo negacionista, expondo-se e incentivando aglomerações criminosas, dizendo que se trataria de uma mera “gripezinha” que poderia ser tratada com medicamentos não aprovados pela comunidade médica local e internacional, com graves riscos cardíacos colateriais, na verdade, atuando unilateralmente, em favor de uma pequena elite financeira e econômica em detrimento da proteção à vida da maioria da população.
Menos mal que essa atitude tresloucada vem sendo parcialmente contida pelo Congresso Nacional que decretou o estado de calamidade pública (através do Decreto Legislativo n° 06/2020) e pelos governos estaduais e municipais que procuram se contrapor ao desvario presidencial decretando o isolamento social, boicotado pelo Presidente e pelo seu grupo de apoiadores fanáticos que, repita-se, expõem o povo e, em especial, os trabalhadores a riscos à vida e à saúde.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 6.341, referendou a conduta dos governadores e prefeitos que decretaram o isolamento social, por unanimidade, denunciando a irresponsabilidade da conduta presidencial e os riscos que a população e os trabalhadores estão sujeitos pelas aglomerações incentivadas pelo Presidente da República e pelos boçais que o apoiam.
Nesse cenário, repita-se, de guerra, muitos trabalhadores foram recrutados como soldados, chamados a combater o “grande inimigo” na linha de frente, expostos diuturnamente aos riscos de contaminação pelo COVID-19 (e pelos idiotas que apoiam o Presidente e incentivam aglomerações), riscos estes que podem culminar – infelizmente, em não raras hipóteses – na própria morte desses trabalhadores e/ou de familiares ou entes queridos que convivam com eles.
Tratam-se daqueles trabalhadores que se ativam nas chamadas áreas essenciais da economia ou mesmo daqueles que por irresponsabilidade e desumanidade de empregadores gananciosos permaneceram no exercício de suas atividades laborais, aos quais não foi concedido o direito de permanecer em isolamento social ofertado à maioria.
Mesmo sabendo, ou melhor, exatamente, por saber dos riscos a que esses trabalhadores estão expostos, foi publicada a Medida Provisória n° 927/2020, que literalmente dispõe o seguinte:
Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.
Fiel ao objetivo invariável de sempre beneficiar os empregadores em detrimento dos trabalhadores, a Medida Provisória presidencial busca: i) estipular a regra de que a contaminação pelo COVID-19 não será considerada doença ocupacional; ii) eximir as empresas de arcarem com a presunção de responsabilidade quanto à contaminação dos trabalhadores pelo COVID-19.
A intenção clara desta norma inconstitucional e ilegal é dizer que o nexo causal entre a contaminação pelo novo coronavírus e as atividades laborais não será presumido, devendo, pois, ser comprovado pelo empregado.
Em relação aos profissionais de saúde – e toda a equipe da manutenção e limpeza dos hospitais – a MP n° 927/2020 vai ainda mais longe, ao permitir no artigo 26 a prorrogação ainda mais alentada da jornada de trabalho do que aquela prevista pela CLT.
Ora, ao invés da norma buscar dar proteção maior a esses trabalhadores mais essenciais no combate a essa guerra contra um vírus que ameaça a própria sobrevivência da humanidade, perversamente ela caminha na contramão desse desiderato jurídico e social, procurando excluir os trabalhadores de tal proteção.
Contudo, esse descaso do Poder Público não pode prevalecer!
Como os trabalhadores estão expostos durante o horário de trabalho e ainda em jornada extraordinária, bem como no curso da locomoção (trajeto) para o trabalho e no retorno, à contaminação por um vírus tão perigoso à toda a sociedade (já que não há vacina nem medicação comprovadamente eficaz à cura) sem sombra de dúvida, permanecer exercendo o trabalho em meio à pandemia é estar constantemente exposto ao risco de contágio.
Ora, o empregador é o responsável pela organização da atividade produtiva e o único beneficiário pelo lucro do empreendimento (artigos 2º da CLT), logo, inafastável que responde pelo ressarcimento ao trabalhador pelos danos decorrentes da exposição ao risco da atividade, inclusive durante o trajeto entre o lar e o trabalho, bem como em seu retorno, conforme dispõe o artigo 21, IV, alínea “d”, da Lei n° 8.213/91.
Nesta linha de raciocínio, incide a “teoria do risco criado”, pela qual o risco inerente à atividade desenvolvida pelo trabalhador não pode ser por ele suportado, e, sim, pelo beneficiário da prestação de serviços. Como consequência, também nos casos específicos do novo Coronavírus, não há de ser afastada a presunção do nexo de causalidade entre a contaminação do trabalhador e a não interrupção das atividades laborais em meio à grave pandemia do COVID-19.
A jurisprudência consagrada pelos tribunais brasileiros é de que o trabalho dentro de hospitais constitui-se em atividade de risco, pela exposição diária dos empregados a diversas doenças. Nesses casos, a culpa é presumida, e a responsabilidade é objetiva (não é necessário a comprovação da negligência do hospital, pois, a mera exposição em si é suficiente para levar a presumir o risco inerente à atividade).
Referente à responsabilidade objetiva, o Plenário do STF julgou em março de 2020, inclusive, o Tema 932, entendendo que ela é constitucional:
“O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade”. RE 828.040/DF nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), 12.03.2020.
Especificamente quanto à presunção do nexo de causalidade, é público e notório perante a comunidade científica e autoridades sanitárias internacionais que os trabalhadores que continuam a exercer suas atividades laborais em meio à pandemia estão imensamente mais expostos a aquisição da nova doença infectocontagiosa (COVID-19), em comparação aos trabalhadores que tiveram garantido o direito de permanecer em isolamento social, por se tratar de um vírus de transmissão exacerbada e descontrolada.
Logo, diante do Coronavírus, que atualmente (segunda quinzena de abril de 2020) já matou mais de 180 mil pessoas no mundo, que lota hospitais, obriga empresas a interromper suas atividades, adia certames esportivos como as Olimpíadas, bem como outros eventos de importância política e cultural com enormes reflexos financeiros, tudo isso por conta do risco seríssimo que advém dessa pandemia, é absolutamente descabido o Poder Público irresponsabilizar-se ele próprio e as empresas públicas e privadas pela contaminação dos trabalhadores que estejam se ativando em tão deletérias condições de vida e trabalho.
Como apontado ao início do texto, os verdadeiros “soldados dessa guerra” são exatamente os trabalhadores que atuam na linha de frente do combate ao COVID-19, principalmente nos serviços considerados essenciais para a manutenção de condições sociais minimamente dignas a todos. Eles merecem todo o amparo, quer do Poder Público, quer dos empregadores.
Desse modo, sendo o risco incontestavelmente latente, os direitos dos trabalhadores também hão de ser.
Assim, a hora é de amparar os trabalhadores expostos garantindo-lhes todos os direitos cabíveis em relação à prevenção da doença, bem como em relação à responsabilização das empresas públicas e privadas, caso esses trabalhadores venham a se contaminar com o novo Coronavírus.
Inclusive, cabe aos empregadores, OBRIGATORIAMENTE, fornecer Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), como luvas, máscaras, álcool gel, etc., aos seus trabalhadores (que exercem atividades internas ou externas), assim como propiciar locais para higienização das mãos, além da adequada higienização do próprio local de trabalho (caso os funcionários desempenhem atividade interna), de modo a preservar ao máximo a saúde, a segurança e a vida desses empregados.
Assim, deverão as empresas oferecer aos seus empregados, ao longo deste período trágico, maior segurança e proteção à saúde (respeitandos os artigo 7º, XXII, da CF e 157 da CLT), através do fornecimento desses indispensáveis EPIs.
Se através da adoção dessas medidas de proteção as empresas conseguirem evitar o contágio em relação aos seus empregados, ótimo. É o cenário ideal, que todos nós realmente esperamos!
No entanto, se não conseguirem, é sinal de que as medidas de proteção não foram adequadas a neutralizar os efeitos nefastos do COVID-19 e tanto o Poder Público comos os empregadores deverão ser, consequentemente, responsabilizados pela ineficiência da proteção dos trabalhadores, em respeito à Convenção 155 da OIT – que versa sobre a segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho – e aos Arts. III e XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos (instrumentos normativos internacionais que detém força de norma constitucional), aos direitos fundamentais à vida (art. 5°, caput e no art. 225, da CF ) e à saúde (arts. 196 e 197, da CF) dos trabalhadores, bem como ao princípio basilar de nossa Constituição Federal que é o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1°, inc. III).
Por fim, caso algum empregado – que continue a laborar durante o período de decretação de isolamento social – infelizmente, venha a falecer em decorrência do novo Coronavírus, a empresa será obrigada a pagar aos seus herdeiros pensão por morte, visto que a doença adquirida é CLARAMENTE ocupacional (com nexo causal e culpa presumida) e, portanto, equipara-se a acidente do trabalho, nos termos do artigo 20 da Lei n° 8.213/91, inclusive se a contaminação se der durante o trajeto ao trabalho, conforme art. 21 desta mesma lei.
Entenda mais sobre DIREITOS TRABALHISTAS e COVID-19 em: http://page.leadszapp.com/