A Tambelli Advogados foi vitoriosa na defesa de funcionário da SPTRANS demitido em razão de ser portador de transtorno afetivo bipolar.
A 4a Turma do TRT da 2a Região, além de considerar que o empregado foi discriminado por possuir doença estigmatizante, o Tribunal também considerou nula a demissão por falta de motivação da dispensa, determinando a imediata reintegração do empregado e pagamento de indenização por danos morais.
O acórdão é inovador e merece reprodução, primeiro porque ele amplia o entendimento sobre conceito de doença estigmatizante, prevista na Súmula 443 do TST, aos casos de doenças psíquicas. Segundo porque, o acórdão aplica analogicamente o entendimento da Súmula 244 do TST, que prevê o direito à estabilidade para gestante, em contrato experiência, já que no caso em tela, o empregado ainda estava em período de experiência quando foi demitido.
Abaixo transcrevemos trechos da decisão:
4.3 – Despedimento discriminatório
(…) A inicial sustentou, ainda, que houve discriminação no desligamento e, com base na Lei 9.029/95 e no entendimento consagrado pela súmula 443 do TST, postulou a reintegração ao trabalho.
(….) cabe considerar se a doença do reclamante poderia ser considerada dentre aquelas que despertam o preconceito em nossa sociedade. E a resposta, nesse passo, não pode deixar de ser positiva.
Fio-me, para tanto, na campanha levantada pela Associação Brasileira de Psiquiatria contra a psicofobia. Visando elaborar uma estratégia eficiente contra o referido preconceito, a ABP convidou pessoas famosas, como o comediante Chico Anysio, a atriz Cássia Kiss e o locutor Luciano do Vale (este último portador de bipolaridade), para tratarem do tema de forma pública, esclarecendo as pessoas sobre as particularidades e realidades da doença
No próprio sítio da Associação, há informações sobre a campanha (que foi realizada em 2012), onde se lê:
O preconceito está entre as principais dificuldades enfrentadas pelas pessoas portadoras de transtorno bipolar. Conhecida como psicofobia essa discriminação é o que a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) quer combater com a campanha “A Sociedade Contra o Preconceito”, lançada no 30º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que termina hoje em Natal, no Rio Grande do Norte. A iniciativa busca informar sobre a doença, que afeta 2,2% da população – cerca de 4 milhões de brasileiros. (Grifei)
Portanto, parece razoável concluir que sim, a doença de que o reclamante é portador está dentre aquelas que geram preconceito e causam discriminação, dentre nós.
Fixadas essas premissas, seria, então, o caso de se verificar se, nestes autos, poderíamos concluir que reclamante foi vítima de discriminação. Poderíamos?
Bem, a prova da discriminação está muito longe de ser coisa simples. Nos dias que correm, é coisa muito difícil – quase impossível – encontrar-se a declaração aberta e desavergonhada da intolerância em relação ao diferente, como aquela que se vê nos filmes de Hollywood, com placas proibindo a entrada de pessoas negras — antes da década de 60, do século passado — em determinado ambiente. Isso está muito longe de significar, obviamente, que evoluímos muito e deixamos de discriminar nossos semelhantes.
Basta uma passada de olhos em qualquer relação comparativa de salários entre homens e mulheres, v.g., para se verificar que as discriminações no emprego persistem, só que agora (em regra) em formas dissimuladas e, por vezes, mesmo inconscientes.
Por conta disso mesmo, o direito processual tem buscado mecanismos para tornar a prova menos desequilibrada e mais apta àqueles com maiores dificuldades de acesso aos elementos necessários ao convencimento do julgador. Claro exemplo desse esforço, está na teoria dinâmica da prova, adotada pelo nosso novo Código de Processo Civil, no parágrafo primeiro do artigo 373, e reproduzido, em grande parte, pela nova redação do artigo 818 da CLT.
O caso dos autos, entretanto, não precisa ser resolvido com essas novas ferramentas processuais. A tradicional visão – consagrada na cabeça do artigo 373 do NCPC – do ônus da prova, combinado com o entendimento consagrado pela súmula 443, do TST, é suficiente para o solução do impasse.
“Portanto, parece razoável concluir que sim, a doença de que o reclamante é portador está dentre aquelas que geram preconceito e causam discriminação, dentre nós (…) Em caso de recusa ou criação de dificuldades e embaraços, por parte da reclamada, para a realização da obrigação de fazer, esta pagará multa diária de R$ 500,00 até que a reintegração se complete (…) Considerando, portanto, que a lesão é grave e atento às condições econômicas das partes, bem como aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, além de ter em conta que a indenização deve ser medida pela extensão do dano (art. 944 do CC), arbitro que o reclamante faz jus à indenização de R$ 60.000,00 fixada para o dia de hoje.’’
(…)
4.1 – A cláusula normativa e o contrato de experiência
(…)
A tradição do direito do trabalho era no sentido de que os contratos por prazo determinado, como o contrato de experiência, não representariam solo fértil para o florescimento das garantias de emprego. Por conta desse entendimento, gestantes que engravidavam no contrato de experiência não adquiriam nenhuma garantia, mesmo existindo a norma constitucional prevendo a necessidade da permanência da grávida no emprego (e mesmo inexistindo, no texto constitucional, qualquer expressa exceção aos contratos por prazo determinado) e o mesmo ocorria com o trabalhador que se acidentava no transcurso de contratos desse jaez, ou nos casos em que os dirigentes sindicais, ou cipeiros, faziam inscrições para as eleições durante tais períodos.
“ (…) gestantes que engravidavam no contrato de experiência não adquiriam nenhuma garantia, mesmo existindo a norma constitucional prevendo a necessidade da permanência da grávida no emprego (…) O tempo passou, todavia, e a jurisprudência progrediu para entendimentos diversos. Por conta dessa evolução, v.g., a grávida, hoje, consoante o que está previsto na súmula 244, III, do TST, tem garantia de emprego, mesmo quando engravida durante o contrato de experiência, coisa semelhante ocorrendo com aqueles que se acidentam no trabalho, conforme súmula 378, III, do TST.”
(…)
O tempo passou, todavia, e a jurisprudência progrediu para entendimentos diversos. Por conta dessa evolução, v.g., a grávida, hoje, consoante o que está previsto na súmula 244, III1, do TST, tem garantia de emprego, mesmo quando engravida durante o contrato de experiência, coisa semelhante ocorrendo com aqueles que se acidentam no trabalho, conforme súmula 378, III,2 do TST. Os cipeiros e dirigentes sindicais, entrementes, ainda não alcançaram tais proteções, talvez – penso eu – porque, nesses casos, o ato de vontade do trabalhador seja determinante para o enquadramento na hipótese que faz nascer a garantia, enquanto no acidente e na gravidez (em que pese a possibilidade existir) presume-se que a vontade não foi decisiva no acontecimento.
(…)
A súmula 378, III, do TST, porém, não se aplica ao caso dos autos, vez que o problema de saúde do reclamante não tem nexo causal com as atividades laborais desenvolvidas na ré.
Entrementes, seria relevante questionar, efetivamente: mas por que não?O balizador citado tem, como se sabe, relação com a garantia de emprego prevista pelo artigo 118, da Lei 8.213/91, que tem o objetivo específico de conceder ao trabalhador acidentado – ou que desenvolve doença ocupacional – um tempo de readaptação após a alta médica. A ideia é que o obreiro que, por exemplo, sofreu um acidente que causou a perda de uma mão, precisaria do ano previsto no artigo 118 para superar o trauma do acidente e, além disso, conseguir se adaptar às novas condições de trabalho, com a diminuição de capacidade laboral da qual é, pós acidente, portador.
Obviamente, esses casos extremados não se repetem em todas as hipóteses de doença ocupacional, mas a garantia serve para todos, sem distinção.
(…)
5 – Da reintegração (efetivação)
Face ao que se disse no item anterior e considerando-se que o afastamento do trabalho, de forma injustificada, representa o comprometimento do salário, verba alimentar por natureza, acolho o pedido do autor relacionado à reintegração, determinando que esta se realize por oficial de justiça, independentemente do trânsito em julgado desta decisão (art. 300 do NCPC), nas funções contratuais do demandante, observados todos os termos do contrato, com pagamento de salários e demais vantagens da função devidamente corrigidos conforme cláusulas normativas pertinentes, devidos e não pagos, vencidos desde a data da dispensa nula (09/08/2017),e, vincendos, até sua efetiva reintegração, computando-se nos cálculos os vencimentos totais de cada mês, além do recolhimento do FGTS, no importe de 8%, à conta vinculada do Reclamante, décimos terceiros salários e férias proporcionais, acrescidas de 1/3 do salário
normal.Em caso de recusa ou criação de dificuldades e embaraços, por parte da reclamada, para a realização da obrigação de fazer, esta pagará multa diária de R$ 500,00 até que a reintegração se complete.
(…)
O inteiro teor do Acórdão pode ser acessado no site do TRT 2a Região (https://consulta.pje.trtsp.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam) , digitando o número do processo: 1002067-51.2017.5.02.0063