Na calada da madrugada do dia 01° de abril de 2020 (de terça para quarta-feira), foi publicada uma das tantas Medidas Provisórias do Governo Bolsonaro, sob o n° 936/2020, instituindo o chamado “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda”, diante do estado de calamidade pública advindo da expansão do novo coronavírus (COVID-19) por todo o Brasil (e mundo).
O objetivo principal da MP n° 936/2020 é oferecer meios de os empregadores conseguirem sobreviver a essa crise, sem que para isso tenham de demitir seus funcionários. Assim, o Governo permite a redução salarial proporcional à redução da jornada de trabalho dos funcionários (por até 90 dias), e a suspensão do contrato de trabalho (por até 60 dias).
Em contrapartida, cria-se o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, que é uma compensação remuneratória do Governo Federal a esses empregados que tiveram seus salários reduzidos ou seus contratos suspensos provisoriamente.
E dessa vez, o Governo Bolsonaro cria (quase que de maneira inédita) um novo direito ao trabalhador que tiver seu salário reduzido ou seu contrato de trabalho suspenso, provisoriamente: a suposta garantia de emprego provisória, prevista no Art. 10° da MP n° 936/2020.
Conhecendo as diretrizes do Governo, que deixa claro e escancarado o fato de assumir o lado dos empresários quando tem de fazer escolhas, a garantia provisória de emprego pareceu algo bastante promissor.
A ideia da MP é a seguinte: o empregado teria direito à garantia provisória no emprego durante o período de suspensão do contrato ou de redução do salário, bem como durante o mesmo período após o retorno ao trabalho. Assim, se tivesse seu salário reduzido ou seu contrato suspenso por 1 (um) mês, o empregado teria direito a garantia provisória no emprego durante 02 (dois) meses: 1 mês de suspensão/redução e 1 mês após o retorno ao labor.
Todavia, logo em seguida a essa inovação de direitos inusitada, o Presidente apresenta a maior contradição possível a respeito da suposta garantia de emprego provisória, ao permitir que os empregadores demitam seus funcionários, sem justa causa, durante esse período de garantia de emprego:
Art. 10° – § 1º A dispensa sem justa causa que ocorrer durante o período de garantia provisória no emprego previsto no caput sujeitará o empregador ao pagamento, além das parcelas rescisórias previstas na legislação em vigor, de indenização no valor de:
I – cinquenta por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a vinte e cinco por cento e inferior a cinquenta por cento;
II – setenta e cinco por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a cinquenta por cento e inferior a setenta por cento; ou
III – cem por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual superior a setenta por cento ou de suspensão temporária do contrato de trabalho.
Não é preciso nem falar que não há qualquer lógica ao dizer que o empregado tem garantia de emprego provisória e logo após admitir que sejam realizadas demissões sem justo motivo durante o período de estabilidade, desde que haja uma indenização maior ao trabalhador, certo?
Ora, conhecendo-se de Direito Trabalhista minimamente, a regra é básica e claríssima: se há garantia provisória do emprego, o empregador NÃO pode demitir sem justa causa. E fim. Não tem exceção.
Diante dessa contradição latente, o §1° do Art. 10° da MP n° 936/2020 perde completamente sua eficácia e aplicabilidade, sendo que, a partir do momento que o empregado tem sua garantia provisória de emprego assegurada pela própria lei, o empregador não poderá demiti-lo durante o período de estabilidade, sem justa causa, sob pena de imediata REINTEGRAÇÃO ao emprego.
Texto de Flavia Bertoli, que compõe a equipe de advogados da Tambelli, especialista em direito do trabalho, formada pela PUC-SP.